O texto a seguir é uma resenha de Geraldo Magella de Menezes Neto sobre o livro “Pesquisas sobre o professor e a educação básica das autoras Sueli Teresinha de Abreu, Fernanda Telles Márques, Telma Aparecida da Silva Santos e Etorre Fonseca Scalon. Referente ao capítulo "A produção social do eu e do outro em relações escolares conflitivas", publicado pela Editora CRV, em 2018, p. 269-277.

Continuando nossas resenhas de livros da editora CRV, comentamos agora o capítulo “A produção social do eu e do outro em relações escolares conflitivas”, de Fernanda Telles Márques, Telma Aparecida da Silva Santos e Ettore Fonseca Scalon, publicado no livro Pesquisas sobre o professor e a educação básica, organizado por Sueli Teresinha de Abreu Bernardes, publicado pela editora CRV, em 2018.

Capítulo interessante a partir de uma pesquisa realizada com turmas da educação básica de uma escola pública da cidade de Uberaba-MG, abordando a questão da produção de identidades e dos preconceitos presentes no ambiente escolar. Uma importante reflexão.

Sobre os autores: Fernanda Telles Márques é Doutora em Sociologia pela UNESP; Telma Aparecida da Silva Santos é Mestre em Educação pela UNIUBE; Ettore Fonseca Scalon é Mestrando em Psicologia pela UFMT.

O capítulo tem como objetivo analisar as dinâmicas que envolvem a produção, no ambiente escolar, de uma identidade normalizada - ou seja, tomada como parâmetro comportamental, para outras identidades presentes no mesmo locus. (p. 270).

Trata-se de uma Pesquisa realizada junto a um grupo de professores e de alunos do ensino fundamental II de uma escola pública da cidade de Uberaba-MG. Os autores realizaram uma observação continuada da rotina escolar e dos alunos de duas turmas, cujas idades variavam entre 12 e 15 anos. Os dados foram coletados por meio de observações e conversas registradas em cadernos de campo, questionários, desenhos e entrevistas. (p. 270).

Uma informação importante observada pelos autores junto aos alunos das turmas foi a “falta” de alunos negros. Ou seja, nenhum aluno das turmas pesquisadas se identificou como negro. Para compreender porque, em uma sala de aula com adolescentes negros nenhum deles tenha se identificado enquanto tal, convém partir do fato de que o Brasil é um país em que se desenvolveu e impôs uma ideologia de branqueamento. (p. 272).

A partir das observações, constatou-se a presença da prática do bullying e a exclusão nas escolas. Conforme os autores, pode-se constatar que, enquanto a agressão física diminui na passagem do 6° para o 9° ano, aumentam os casos de agressões "sutis", assim caracterizadas por envolverem danos morais e ao equilíbrio emocional, tais como isolar e espalhar boatos na escola ou em redes sociais. (p. 272).

 Já no caso dos alunos mais velhos, as agressões mais comuns são o isolamento ou invisibilidade, tanto na escola (fingir que não existe) quanto em atividades externas (não convidar para festas, jogos, trabalhos extraclasse); chamar por um apelido que o outro não gosta; denegrir (sic) a imagem nas redes sociais e fazer fofoca no ambiente escolar. (p. 272).

No caso dos alunos mais jovens (6° ano), as principais respostas à práticas de exclusão foram: dar risada e ficar apontando e ignorar em relação a eventos externos (festas, jogos, trabalhos em grupo), seguidas isolar o colega na escola, tratando-o como se não existisse. (p. 273).

Nas duas turmas, a aparência física e/ou o jeito de vestir foram citados como o principal elemento motivador de isolamento ou humilhações. Em seguida, na turma do 9°ano, apareceram limitações ou déficits intelectuais, cor da pele (etnia/raça) e comportamento inconveniente (extrovertido ou estabanado). (p. 273)

Voltando para a questão do ideal de branqueamento que ainda persiste como símbolo de “beleza”, os autores apontam que também a cor da pele e a textura dos cabelos surgem como elementos de outros, remetendo, novamente, à questão étnico-racial. Nesse sentido, o dado ajuda a compreender o fato de que a quase totalidade dos alunos e dos professores identificaram-se como brancos mesmo sendo membros de uma sociedade pluriétnica com profundas raízes negras. Os autores sugerem que um ideal de branqueamento tenha deixado de permear o imaginário social e de expressar-se na produção de uma identidade padrão. (p. 274)

Ao final do capítulo, os autores buscam pensar a identidade nas escolas a partir do referencial teórico de Thomaz Tadeu da Silva. Silva (2000, p. 81) ressalta a importância de se pensar identidade/diferença de forma relacional. Defendendo que onde há diferenciação, há relação de poder, o autor prossegue explicando que existem outros processos, também tradutores dessa diferenciação: incluir/excluir, demarcar fronteiras, classificar, normalizar. (p. 276)

Os autores do capítulo ressaltam que todos estes processos estão cotidianamente em curso nas relações escolares. O que dificulta sua identificação é o fato de que são legitimados socialmente e naturalizados, deixando de parecer, aos olhos dos que o vivenciam, algo que expressa sobretudo práticas sociais construídas historicamente. (p. 276). Concluem sinalizando que normalizar significa transformar uma identidade em parâmetro para avaliar e classificar todas as outras formas de ser e de estar no mundo. Em última instância, fazemos dela a única identidade válida. (p. 276)

Chegando às nossas considerações finais, entendemos que o trabalho de Fernanda Telles Márques, Telma Aparecida da Silva Santos e Ettore Fonseca Scalon traz questões muito relevantes para se pensar no contexto escolar.

A escola é um espaço de produção de identidades. A persistência do racismo e de todo tipo de preconceitos aponta um ideal de identidade visto pelos jovens a partir do que não é desejado: esse padrão negativo é projetado no outro, que é agredido psicologicamente ou até fisicamente.

Cabe à escola e aos seus profissionais uma forma de se trabalhar para além do conteudismo, que saiba enxergar esses preconceitos para combatê-los, para construir uma sociedade que possa respeitar as diferenças. 

Resenha por Geraldo Magella de Menezes Neto, doutor em História Social da Amazônia na Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor da Secretaria Municipal de Educação de Belém (SEMEC) e da Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC). Administrador da página “História Pública na escola” no instagram (@historiapublicanaescola).